Não quero ir pro Hospital, Dr! Pessoas morrem lá

Um senhor com conceito pré-formado sobre o Hospital. Uma breve reflexão sobre empatia na Medicina.

Hospital… Como a internação hospitalar é vista pelo olhar de um paciente idoso?



O hospital…

Severino, um senhor de setenta e poucos anos, compareceu ao centro de atendimento. Segundo a filha, ele está em piora progressiva há cinco dias, mas ela só conseguiu trazê-lo hoje, depois de muita insistência.

Cada passo era seguido por cinco intensas incursões respiratórias entremeadas por acessos de uma sofrida tosse seca. O oxímetro desvendou a saturação longe da desejada e a ectoscopia junto à ausculta pulmonar podiam ser traduzidas em algo do tipo: “Me interne, preciso de suporte”.

Quando discutimos a necessidade de remoção para um serviço de maior complexidade, o tempo fechou. Com voz rouca, fraca e interrompida, Severino murmurou: “Estou bem… Não quero ir pro Hospital… Pessoas morrem lá”.

Não quero ir pro Hospital, Dr

Há anos ele vem observando que alguns de seus conhecidos eram internados e não voltavam para casa, enquanto que outros ficavam “presos” por semanas, sem dar sinais de vida. Se não bastasse, os noticiários enfatizam que as vítimas em estado crítico ficam não em casa, mas nos hospitais. Sem contar que politraumatizados são levados com vida ao hospital, mas logo lá, acabam não resistindo aos ferimentos.

Realmente, pessoas morrem nos serviços de alta complexidade. Mas estão lá justamente por necessidade. Para muitos, pode parecer uma relação de causalidade fácil de se compreender. Pessoas estão nos hospitais porque estão doentes e não estão doentes porque estão nos hospitais. Mas como explicar para esse senhor que os riscos de ficar em casa, sem suporte, eram maiores que os da internação? À sua maneira, Severino lidava com probabilidade, usando a amostra que tinha e a que importava para ele. Era o seu ponto de vista…

Quem nunca ouviu alguém que se recusa a fazer exames preventivos tendo como argumento a famosa frase “quem procura, acha”? Pré-julgamento, mídia, fake-news, desconfiança, cultura, medo? São muitas variáveis envolvidas na criação de vieses desse tipo. Vieses que precisam ser desconstruídos, dia após dia.

Depois de muita conversa, Severino acabou concordando com a remoção. Mas tudo isso foi mais que o suficiente para atrasar a abordagem precoce e quase impediu a conduta certa.

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João Elias

João Elias

Médico pela Universidade Federal de Goiás. Cirurgião pelo Hospital Alberto Rassi. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Hospital do Câncer Araújo Jorge. Ilustrador Médico com foco em Anatomia e Cirurgia. Fundador e mantenedor do Café Cirúrgico.

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