Caro leitor. Venho apresentar um trecho interessante escrito por Reinhold Niebuhr. Uma verdadeira mensagem para nós, Cirurgiões. Faço um paralelo dessas três qualidades para o Bom Cirurgião.
Nossa função está diretamente associada aos procedimentos invasivos, com o objetivo de provocar mais benefícios que danos. Lidamos com pacientes e suas doenças, desde o pré até o pós-operatório. Convivemos com diversos profissionais dentro da sala de cirurgia (anestesista, circulante, instrumentador, enfermeiros etc). E para atingir o nível de Bom Cirurgião, precisamos dessas três qualidades: Paciência, Coragem e Discernimento.
Concedei-nos, Senhor,
Reinhold Niebuhr
Paciência necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar,
Coragem para modificar aquelas que podemos e
Discernimento para distinguir umas das outras
Bom Cirurgião: Paciência, Coragem e Discernimento
Paciência para aceitar as coisas que não podemos mudar
Devemos ser pacientes com nossos pacientes. Somos detentores do conhecimento. Mas é o paciente que sofre com a doença. Não podemos subestimar nem ignorar seus sintomas. Devemos ter paciência para investigar os sinais durante o exame físico. Paciência para fazer um pré-operatório criterioso que garanta bons resultados cirúrgicos!
Paciência para lidar com as burocracias. Há etapas que não devem ser puladas. Papeis, relatórios, descrições, checklists… São todos procedimentos massantes porém importantes que determinam organização desde o faturamento do hospital até a segurança do paciente. Paciência para chegar mais longe!
E quanto a demora da sala para receber o próximo paciente? Tenhamos paciência para não desestruturar a equipe. Orientações e sugestões exigem serenidade para serem bem colocadas e efetivadas. Tenha paciência para saber a hora certa de pontuar os erros e elogiar os acertos.
Equipamentos falham e por isso devem ser checados antes! É preciso dar importância e ter paciência para que isso ocorra.
É preciso ter paciência consigo mesmo! Somos humanos. Infelizmente, podemos cometer erros. Estamos sujeitos ao Burnout. Precisamos de tempo para descansar. Precisamos de calma para aceitar que sempre vão existir cirurgiões melhores do que nós. Precisamos de paciência para crescer e para não adoecer…
Coragem para modificar as coisas que podemos
É preciso coragem para escolher a residência de cirurgia! Coragem para dar os primeiros passos, para fazer a primeira cirurgia… Coragem para adquirir a técnica e dissecar aquela região perigosa perto do ducto biliar ou do nervo facial…
O protocolo SPIKES, além de paciência, exige Coragem! É preciso Coragem para compartilhar a verdade (notícias ruins) com o paciente e sua família.
Como dito, infelizmente cometemos erros. É difícil assumir que retiramos o dreno antes de checar o débito… É preciso coragem para assumir os erros e para tratar as complicações. Erros precisam ser reconhecidos para não serem repetidos! Veja a frase que está no Top Knife:
Perito é um homem que cometeu todos os erros possíveis em campo muito limitado.
Neils Bohr
Coragem para pedir ajuda. Como é difícil dizer “não sei”. O sexto passo do Programa Colecistectomia Videolaparoscópica Segura é simplesmente “Pedir Ajuda”.
É preciso coragem para melhorar nossa equipe (sair da inércia!). Coragem para sermos humildes e ressaltar a importância e qualidades de cada um daqueles que fazem a cirurgia acontecer.
Discernimento para distinguir uma das outras
É preciso discernimento para atingir a Conveniência Operatória. Quando operar? Quando não operar? O discernimento, embasado na vivência e na evidência científica, nos ajuda a traçar a melhor conduta… De que adiantam grandes procedimentos que não alteram a sobrevida?
Discernimento para, no mínimo, praticar a Não-Maleficência.
Discernimento para reconhecer os reais desejos do paciente. Afinal, a Autonomia deve ser respeitada. E o conhecimento deve ser traduzido para o paciente para que este tenha as ferramentas necessárias para exercer sua autonomia. Isso também exige muita paciência!
Discernimento para diferenciar erro de complicação! Complicações ocorrem mesmo nos pacientes operados pelos melhores cirurgiões. Muitas vezes, nada no passado iria mudar o desfecho do paciente que não evoluiu como você previa. Veja: Erro Médico ou Complicação Cirúrgica: Qual a Diferença?
É por tudo isso, leitor… Vamos nos esforçar para praticar Paciência, Coragem e Discernimento no nosso dia-a-dia.
Estou longe de ser esse tal Bom Cirurgião. Sou um Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço em busca de (um dia) beirar a inalcançável perfeição. Não posso dar conselhos. Mas aqui do meu lugar posso atiçar reflexões/questionamentos do que pesquiso e aprendo.
Então… Pense sobre isso.