Em meio às incertezas da Medicina, segue a reflexão.
Medicina e Esperança
São 7:00 da manhã. Um ex-trabalhador humilde, com 61 anos de sabedoria na bagagem, segue em direção ao ponto de ônibus, tarefa que executou incontáveis vezes. Mas hoje é diferente. É dia de visitar o hospital e descobrir se o seu câncer metastático respondeu ao novo tratamento.
Ele entra no ônibus. Vê todos correndo, alguns resmungando, outros gritando, a maioria reclamando do dia, da chuva, do emprego, do salário, do governo, da família e até mesmo da vida! Espantado, pensa consigo mesmo: como pode alguém reclamar da vida? Pouco depois, reconhece que ele mesmo já havia cometido esse erro. Será que só agora, com sua vida ameaçada, percebe o valor deste bem tão precioso? Lágrimas se misturam à poeira do assoalho tão cotidiano.
Após alguns minutos, avista uma criança no fundo do ônibus. Enquanto canta e brinca com sua mãe, demonstra sutilmente a singular beleza da vida, embaçada naquele meio de transporte. Ainda há esperança! Mas esperança de que tipo? Como representar a esperança que o acompanha nesse momento?
Recorda-se então de Elis Regina. Aquela dita esperança equilibrista corre, dança, cambaleia, se pendura e cai. Em seguida se levanta e reinicia um ciclo que atiça impiedosamente sua angústia, simplesmente por não saber quando e como vai acabar.
Quase chegando ao hospital, se lembra de ter lido sobre as fases do luto, descritas por uma tal de Elisabeth. Ele quer acreditar firmemente que já passou por todas as fases e que, agora, aceita sua condição. Mas o processo é árduo. Cada falha na terapia, seguida por uma nova proposta, oscila a corda bamba, muda a sua posição nas curvas de Kaplan-Meier e aumenta sua angústia. É assim que ele caracteriza a luta contra o câncer… Angustiante.
O ônibus chega ao destino, seu pensamento está nauseado.
Segue em frente e pensa consigo mesmo,
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
O bêbado e a equilibrista, Elis Regina
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona de um bordel
Pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco
Louco
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
Veja mais Reflexões!
Recomendo também o seguinte texto: