A dificuldade de acesso à cirurgia de qualidade e em tempo hábil ainda é responsável por aumentar a morbimortalidade de várias populações espalhadas pelo globo. Vamos citar o estudo “Global Surgery 2030: evidence and solutions for achieving health, welfare, and economic development“, publicado no The Lancet em 2015. Ele estima que cinco bilhões de pessoas não têm acesso a cuidados cirúrgicos e anestésicos seguros e acessíveis quando necessário.
Sr José é um ribeirinho que acordou com uma dor de forte intensidade na fossa ilíaca esquerda. Após um dia, foi levado de canoa ao serviço de atendimento mais próximo, onde foi medicado e liberado para casa. Um dia depois, retornou para atendimento e foi solicitada transferência para um serviço com tomógrafo. Após três dias, o paciente foi transferido e foi realizada a tomografia.
Como não havia cirurgião ou radiologista no local, o laudo saiu após três dias, constatando um processo inflamatório sugestivo de diverticulite aguda. Foi iniciado antibiótico (oito dias após o início dos sintomas) e o paciente foi solicitada a avaliação pelo cirurgião geral em outro hospital. Quando chegou no hospital terciário, nosso paciente já estava com peritonite e com uma condição cirúrgica muito ruim.
A história acima ilustra a vida de muitos pacientes brasileiros.
No mundo, 5 bilhões de pessoas têm dificuldade de acesso à cirurgia
Esse empecilho não envolve apenas limitações financeiras, mas também limites geográficos, temporais, estruturais, socioculturais e políticos. Além disso, o acesso exige profissionais qualificados e uma infraestrutura adequada, algo ainda caro. Isso pode resultar no desbalanço financeiro grave para os pacientes e seus familiares.
A dificuldade de acesso à cirurgia é um problema real mundial!
E no Brasil?
Apesar do estudo ter sido realizado a nível mundial, não é difícil reconhecer essa realidade aqui no nosso País, onde a desigualdade social ainda é evidente. Por aqui, também há dificuldade de acesso à cirurgia.
- Métodos diagnósticos básicos ainda estão pouco disponíveis em alguns locais e a regulação para exames com complexidade maior pode ser incerta;
- Pessoas ainda moram em locais distantes de unidades básicas de saúde, quem dirá de hospitais com centro cirúrgico de qualidade;
- O Sistema Único de Saúde, apesar de atuante, ainda não dispõe de muitas próteses ou procedimentos mais atuais para o tratamento de algumas patologias;
- O seguimento do paciente operado também pode ser falho, seja pela falta de comunicação ou pela alta demanda pelas consultas.
O espaço entre o diagnóstico e o tratamento leva a cirurgias complicadas, com pior prognóstico e com maior custo para o sistema de saúde. Um verdadeiro ciclo vicioso.
A dualidade particular/público ainda é confusa no nosso país. Muitas vezes, um paciente consegue arcar com um exame particular, mesmo que não consiga fazer todo o tratamento no serviço particular. Mas essa liberdade/possibilidade nem sempre é permitida ou vista com bons olhos em alguns serviços.
A realidade é dura, mas há esperança. ONGs espalhadas pelo Brasil ajudam a levar assistência de saúde para as populações mais distantes. Certamente, a dificuldade de acesso à cirurgia hoje é um pouco menor que décadas atrás. Como civis e como profissionais, podemos atuar para melhorar essa realidade nacional. Vamos reduzir a dificuldade de acesso à cirurgia de qualidade!
Meara JG, Leather AJM, Hagander L, et al. Global Surgery 2030: evidence and solutions for achieving health, welfare, and economic development. Int J Obstet Anesth. 2016.
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