Ao passar pelo campo de batalha (cirurgia), o nosso soldado (paciente) vai enfrentar o dano/trauma e a Resposta Endócrina Metabólica Imunológica ao Trauma (famosa REMIT). Durante isso, ele vai desempenhar um trabalho e consequentemente gastar calorias. Para suprir essa demanda energética, precisamos descobrir e ofertar a necessidade calórica diária.
Tomemos como exemplo a Dona Maria. Essa nossa guerreira de 58 anos, 67 kg e 1,61 metros de altura, está marchando em direção à uma típica CVL (colecistectomia videolaparoscópica). Qual será o seu gasto energético diário?
Como calcular a Necessidade Calórica?
O que é a Fórmula de Harris-Benedict?
Uma maneira lógica (embora não muito intuitiva) é usar a fórmula de Harris-Benedict. Ela divide o trabalho (Gasto Energético Total) em: Gasto Energético Basal, Fator Atividade, Fator Injúria e Fator Térmico. O resultado é o produto entre esses quatro itens.
1. Gasto Energético Basal
Este é o gasto basal necessário apenas para manter o organismo vivo, sem considerar nenhuma atividade. É obtido por meio de um cálculo complexo envolvendo constantes e variáveis, sendo diferenciado os sexos masculino e feminino.
- Masculino: 66,47 + (13,75 x PESO) + (5,003 x ALTURA) – (6,775 x IDADE)
- Feminino: 655,09 + (9,563 x PESO) + (1,85 x ALTURA) – (4,676 x IDADE)
OBS: Peso em Kg e altura em cm.
2. Fator Atividade
Acrescentamos à conta o grau de atividade do paciente. Quanto mais atividade, maior o gasto energético:
- Acamado, imóvel: 1,2
- Acamado, móvel: 1,25
- Deambulando: 1,3
3. Fator Injúria
Nesta parte, consideramos o trauma em si. Há diferentes valores para diferentes eventos. Seguem alguns exemplos:
- Paciente não complicado: 1,0
- Cirurgia eletiva: 1,0 a 1,1
- Fraturas múltiplas: 1,2 a 1,35
- Peritonite: 1,2 a 1,5
- Infecção grave: 1,3 a 1,5
- Septicemia: 1,4 a 1,8
- Politraumatizados: 1,9
- Queimadura (40 a 100% de SCQ): 1,85 a 2,05
4. Fator Térmico
Caso o paciente tenha elevação da temperatura corporal, o gasto energético será maior, e precisamos considerar isso também.
- 38 ºC: 1,1
- 39 ºC: 1,2
- 40 ºC: 1,3
- 41 ºC: 1,4
Na prática…
Para a Dona Maria, temos o seguinte:
- Gasto Energético Basal: 1.322,45 kCal. Obtemos, usando a formula acima:
655,09 + (9,563 x 67) + (1,85 x 161) – (4,676 x 58) - Fator Atividade: 1,3. Esperamos que ela esteja deambulando!
- Fator Injúria: 1,0. Trata-se de um procedimento eletivo padrão, paciente possivelmente não complicada.
- Fator Térmico: 1,0. Paciente afebril, é o que esperamos no pós-operatório.
Logo, o Gasto Energético Total será de:
- 1.322,45 x 1,3 x 1,0 x 1,0
= 1.719,18 kCal/dia
Essa fórmula é interessante para o raciocínio clínico, uma vez que nos alerta sobre diferentes possibilidades que podem aumentar ou reduzir o gasto energético. Entretanto, no dia a dia, usamos a regra de bolso:
25 a 30 kCal/kg/dia
Para a Dona Maria, usando esta regra prática, chegaríamos a um valor entre: 1.675 e 2.010 kCal/dia.
E quanto de Proteína?
Adicionalmente, outro dado importante é a quantidade do Gasto Energético total que deve ser oriunda exclusivamente de proteínas. Afinal, o corpo precisa estar a postos para a fase anabólica da REMIT. Em situações cotidianas, necessitamos de 0,8 g/kg de proteínas por dia. Já os pacientes cirúrgicos ou os que passaram por outros traumas físicos tendem a precisar de 1,5 a 2 g/kg/dia.
Lembre-se de que 1 g de proteína provê 4 kcal.
A Dona Maria vai precisar de cerca de 1,5 g/kg de proteínas por dia, ou seja, 100,5 g. Isso equivale a 402 kCal provenientes de proteínas.
Resumindo: Das 1.719,18 kCal que a Dona Maria vai precisar no dia, 348 kCal (cerca de 23%) devem vir de fontes proteicas!
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Esse texto foi baseado no seguinte artigo:
- Bendavid I, Lobo DN, Barazzoni R et al. The centenary of the Harris–Benedict equations: How to assess energy requirements best? Recommendations from the ESPEN expert group. Clinical Nutrition. 2021;40(3):690-701.