O que pode dar errado na Cirurgia de Hérnia Inguinal?

Quais as principais complicações da cirurgia de hérnia inguinal? Sangramento, infeccção, seroma, hematoma, recidiva, dor crônica etc.

As hérnias inguinais e as femorais continuam representando grande parcela das comorbidades cirúrgicas atuais. Como as demais, a Cirurgia de Hérnia Inguinal não é isenta da possibilidade de complicações cirúrgicas. A incidência varia de acordo com o tipo e gravidade da hérnia, com as condições clínicas do paciente e com a técnica utilizada. Vamos ver neste artigo os possíveis problemas após a correção de uma hérnia inguinal.



Complicações da Cirurgia de Hérnia Inguinal
Imagem do intra-operatório de uma hernioplastia inguinal.

Hernioplastia de Urgência ou Hernioplastia Eletiva?

Dizemos que a hernioplastia deve ser de urgência quando há indícios de sofrimento intestinal. Ou seja, há uma alça intestinal herniada não redutível (não retorna à cavidade abdominal) e que provoca muita dor local. Nesses casos, é possível que haja perfuração da alça, contaminação da cavidade, sepse e outras repercussões graves. Portanto, as hernioplastias de urgência possuem maior risco de complicações cirúrgicas.

Já as hernioplastias eletivas são realizadas em um ambiente controlado, com paciente avaliado no pré-operatório, tomando-se todas as medidas de segurança para tentar evitar ao máximo as complicações.

1. Sangramento

Cortes sangram. Ao acessar a região inguinal para correção da hérnia, há vários vasos sanguíneos que podem ser lesados e cursar com sangramento. O sangramento geralmente é passível de ser controlado no intra-operatório e geralmente não traz repercussões mais graves. De forma muito rara e a depender da anatomia prejudicada, podem ser lesados vasos mais calibrosos, como os vasos ilíacos externos e os vasos epigástricos, denotando sangramento mais importante.

2. Seroma e Hematoma

A dissecção promove o ‘descolamento’ das diversas camadas anatômicas, criando-se um espaço novo. No pós-operatório e com uma boa síntese cirúrgica, esse espaço geralmente é novamente fechado. Em alguns pacientes, no entanto, há a formação de uma coleção de sangue (hematoma) ou de fluido transparente (seroma), provocando dúvidas no paciente. Por vezes essas coleções promovem inchaço local progredindo até a região escrotal, formando o que chamamos de hidrocele.

Tratam-se de complicações simples que não necessitam de outra intervenção cirúrgica. O próprio organismo vai se encarregar de reabsorver a coleção. Caso haja dor ou desconforto mais importantes, pode ser realizada aspiração da coleção com uma agulha.

3. Infecção de ferida operatória

Toda ferida operatória pode infectar. Quando tomados todos os cuidados com a antissepsia e com a higiene da ferida, esse risco reduz consideravelmente. Por outro lado, grandes defeitos, o uso de tela, pacientes com obesidade, diabetes ou imunossuprimidos são fatores de risco que aumentam a probabilidade de complicações. Dessa forma, alguns pacientes evoluem com saída de secreção purulenta pela ferida, caracterizando a infecção. 

As infecções de ferida operatória podem ser superficiais ou profundas. As primeiras envolvem apenas a pele e o tecido subcutâneo. São tratadas com abertura de alguns pontos e drenagem da secreção purulenta com ou sem necessidade de antibioticoterapia. As profundas geralmente acometem a tela (quando esta é utilizada). Nesses casos, pode haver a necessidade de uma nova cirurgia para limpeza e retirada da prótese contaminada.

4. Complicações associadas à tela

Vimos no tópico anterior a infecção de ferida operatória profunda, uma das complicações cirúrgicas associada à tela.

Outra complicação rara é a migração da tela, a qual pode ser primária ou secundária. A primária decorre da má fixação da tela que permite com que ela migre para tecidos de menor resistência, deixando de cumprir sua missão no fortalecimento da parede abdominal. A secundária decorre da migração da tela, no decorrer de anos, em direção a outros tecidos, como a bexiga e a cavidade abdominal, podendo provocar infecção urinária de repetição ou fístulas digestivas, respectivamente.

5. Recidiva da hérnia

A hérnia pode voltar… Nos últimos anos, as técnicas para correção de hérnias reduziram drasticamente as taxas de recidiva. Mesmo assim, alguns poucos casos ainda possuem risco de falha no tratamento. Isso decorre de vários fatores: condição clínica e hábitos do paciente, habilidade do cirurgião e técnica utilizada, presença de complicações cirúrgicas etc.

Lembre-se: o tabagismo é um fator de risco importante para hérnias e uma das principais causas de recidiva! Veja os seguintes textos para mais informações:

Quando diagnosticada a recidiva, indica-se uma nova cirurgia geralmente com técnica diferente da utilizada na primeira abordagem.

6. Dor crônica ou Neuralgia pós herniorrafia

A região inguinal é rodeada por nervos sensitivos. Por maior que seja a habilidade do cirurgião, pode ocorrer lesão inadvertida ou mesmo necessária de algumas estruturas nervosas. Logo após a cirurgia, temos a dor somática (dor “do corte”), controlada com medicações habituais. 

Quando a dor perdura por mais de três meses, o que é bastante raro, precisamos considerar o diagnóstico de neuralgia pós-herniorrafia. Os principais sintomas são: 

  • Dor em queimação perto da região da cirurgia; 
  • Percepção sensorial prejudicada na região da virilha; 
  • Dor prolongada refratária aos analgésicos comuns.

O tratamento geralmente é feito com analgesia multimodal, bloqueio nervoso ou mesmo cirurgia para ablação/remoção dos nervos responsáveis.

7. Lesão de órgãos abdominopélvicos

Outra complicação rara que precisa ser descrita é a lesão de vísceras abdominais, principalmente alças de intestino e bexiga. 

No caso das cirurgias urgentes, a presença de uma alça intestinal irredutível aumenta os riscos dessa complicação. Há casos mais graves que, por isquemia/sofrimento vascular, a alça já encontra-se perfurada, sendo necessária exérese da mesma, enterectomia.

A bexiga é outro órgão que pode ser atingido devido à sua proximidade da parede abdominal anterolateral e dos defeitos herniários. A lesão é rara e pouco mais frequente nas hernioplastias por vídeo.

8. Retenção urinária

Esta é uma complicação mais associada ao tipo de anestesia que o paciente é submetido. Há menor taxa de retenção urinária após anestesia local e maiores taxas após anestesia geral. Não é necessário cateterismo vesical de demora como profilaxia. Por vezes, pode ser necessário cateterismo vesical intermitente para alívio da retenção.

9. Disfunção sexual e infertilidade

Em alguns poucos casos, a hernioplastia inguinal pode influenciar de forma negativa a vida sexual e a fertilidade. Isso se dá por três mecanismos principais:

  • Dor na região inguinal durante as relações sexuais;
  • Desvascularização testicular durante a manipulação do funículo espermático, levando a trombose e consequente orquite isquêmica;
  • Compressão extrínseca das estruturas do funículo espermático, seja pelo anel inguinal mais estreito ou pela fibrose da tela.

Outra causa rara de infertilidade é a lesão iatrogênica bilateral dos ductos deferentes.

Em alguns casos, pode ser necessária outra cirurgia para correção da infertilidade, seja para descompressão do funículo espermático ou pela anastomose do ducto deferente lesado.


Lembre-se mais uma vez, todas as complicações citadas acima possuem uma incidência baixa e são mais frequentes em cirurgias de urgência. Além disso, nas mãos de um cirurgião experiente as taxas de complicações tendem a ser menores ainda!


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João Elias

João Elias

Médico pela Universidade Federal de Goiás. Cirurgião pelo Hospital Alberto Rassi. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Hospital do Câncer Araújo Jorge. Ilustrador Médico com foco em Anatomia e Cirurgia. Fundador e mantenedor do Café Cirúrgico.

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