Colecistectomia: o que pode dar errado na cirurgia de vesícula?

Quais as complicações da colecistectomia, cirurgia para retirada da vesícula biliar? Lesão vascular, lesão de via biliar, lesões intestinais, coledocolitíase e mais.

A cirurgia de vesícula pode complicar! Toda cirurgia possui risco de complicações em variados níveis, a depender do paciente, da doença e da habilidade do cirurgião. Não poderia ser diferente com a retirada da vesícula biliar.



Complicações da colecistectomia
Imagem representando a vesícula biliar recém retirada e seus cálculos exteriorizados.

Colelitíase Sintomática vs Colecistite Aguda

Antes de prosseguir, vamos discernir estas duas patologias. 

Colelitíase sintomática ou colecistolitíase trata-se da presença de cálculo na vesícula biliar. Ocasionalmente, esse cálculo obstrui o ducto cístico, por onde a vesícula se esvaziaria, provocando dor intermitente, geralmente associada com a alimentação. Possui indicação de colecistectomia eletiva, sem urgência cirúrgica.

Já a Colecistite Aguda é a inflamação/infecção da vesícula biliar. Trata-se de um quadro mais grave, podendo evoluir com sepse (infecção + disfunção orgânica). Possui indicação de abordagem cirúrgica de urgência, seja a própria colecistectomia ou então uma solução provisória com a drenagem percutânea da vesícula biliar. 

Vale ressaltar que na colecistite aguda a vesícula biliar está infectada, friável, com anatomia distorcida, possíveis aderências, coleções purulentas, fístulas e/ou perfurações. Certamente, a cirurgia vai ser muito mais difícil nesses casos!

1. Sangramento e Lesão Vascular

Comum a todas as cirurgias, o risco de sangramento na colecistectomia é visto logo no início. Ao inserir os trocartes por onde vão passar a ótica e as pinças de trabalho, há possibilidade de atingir algum vaso sanguíneo da parede abdominal. Geralmente esse é um sangramento auto-contido, sem maiores repercussões.

Há ainda risco de sangramento durante a manipulação da vesícula, especialmente se tratando de colecistite. Quando a lesão está apenas na artéria cística, a resolução é geralmente rápida, com clipagem. No entanto, caso os vasos hepáticos estejam envolvidos, pode ser necessária a conversão para cirurgia aberta.

Em alguns casos, a lesão vascular não se comporta com sangramento. Se a lesão não for no vaso, mas sim na região adjacente a ele, pode ser formado um pseudoaneurisma. Tal condição pode provocar uma hemorragia futura. 

Além disso, alterações anatômicas podem confundir o cirurgião e levar à ligadura de vasos hepáticos. Neste caso, o fígado fica com sua irrigação sanguínea prejudicada e evolui com isquemia hepática. Quando isso ocorre, há possibilidade de infecção e formação de abscessos hepáticos.

2. A temida Lesão de Via Biliar

Já falamos aqui sobre a Classificação das Lesões de Via Biliar. A vesícula biliar armazena bile e a drena para o hepatocolédoco que por sua vez desemboca no duodeno junto com o ducto pancreático. A união de diversos fatores negativos — inflamação local aguda ou crônica (colecistite), anatomia distorcida, sangramento, inexperiência do cirurgião — propicia a lesão inadvertida dos ductos biliares

Quando isso ocorre, há de forma resumida duas possibilidades: vazamento ou obstrução. No primeiro caso, o paciente evolui com dor abdominal já nos primeiros dias após a cirurgia, necessitando de reabordagem. Já no segundo caso, o paciente pode ir de alta hospitalar e retornar com sintomas colestáticos (icterícia ou “amarelão”, urina cor de coca-cola e fezes esbranquiçadas), necessitando também de reabordagem.

Tais reabordagens variam desde um reposicionamento de clipe até uma cirurgia maior de mais delicada, como a derivação biliodigestiva. Tudo vai depender do tipo e tamanho do dano.

3. Possíveis Lesões Intestinais

Durante a passagem dos trocartes, se um paciente possui uma hérnia ou mesmo aderências devido a cirurgias anteriores. Isso faz com que alças intestinais fiquem “grudadas” na parede abdominal, aumentando o risco de lesão intestinal logo no início da cirurgia, durante a instalação dos trocartes.

Na anatomia do ser humano, tudo está muito próximo, fígado, vesícula biliar, estômago e alças intestinais… Quando somado à colecistite, além de próximas, as estruturas anatômicas ficam aderidas umas às outras, “coladas”. Isso favorece a lesão de alças intestinais durante a manipulação da vesícula.

As lesões intestinais podem ser observadas desde o intra-operatório até tardiamente, traduzidas em fístula, perfuração e consequente peritonite.

4. Conversão para Cirurgia Aberta

Como mostrado acima, qualquer dificuldade durante a videolaparoscopia justifica a conversão para cirurgia aberta. Em especial nas situações em que a visualização das estruturas está difícil e/ou quando os sentidos, como o tato, são essenciais. 

O objetivo da conversão é evitar complicações mais graves, garantindo maior segurança do paciente. Portanto, todo paciente submetido à uma cirurgia por vídeo deve estar ciente da possibilidade de um corte maior do que o planejado.

5. A Coledocolitíase Residual

Meses após a cirurgia de vesícula, o paciente começa a apresentar icterícia, urina cor de coca-cola e fezes esbranquiçadas (sintomas colestáticos). Por algum motivo, o fígado não está conseguindo excretar a bile da forma correta. Como citado acima, uma das possibilidades é que tenha ocorrido uma lesão na via biliar. Por outro lado, outra possibilidade é a coledocolitíase residual!

Mesmo que o paciente não tenha sintomas colestáticos previamente à cirurgia, é possível que um cálculo saia da vesícula em direção ao hepatocolédoco, naturalmente ou durante a manipulação cirúrgica. Chamamos isso de migração do cálculo, provocando coledocolitíase. O paciente retirou a vesícula, mas ainda ficou um cálculo na via biliar. De forma intermitente (flutuante) esse cálculo vai obstruir a saída da bile e causar sintomas.

Mas atenção, se os sintomas vierem após 2 anos da cirurgia, há maior probabilidade de se tratar de uma Coledocolitíase Primária! Ou seja, por algum motivo (dilatação, lentificação do fluxo da bile etc), o cálculo se formou diretamente na via biliar, sem migração. Nesse caso, a coledocolitíase não é uma complicação direta da colecistectomia.

6. O Inesperado Câncer de Vesícula Biliar

Toda vesícula retirada é enviada para estudo anatomopatológico. Lá a peça cirúrgica é estudada em busca de anormalidades, em especial alterações malignas. Em uma parcela muito pequena dos casos, é diagnosticado Câncer de Vesícula Biliar

Claro que não se trata de uma complicação cirúrgica, pois o câncer já estava lá antes da cirurgia! Trata-se de uma descoberta provavelmente em estágio inicial que necessita de tratamento e/ou seguimento.

Mesmo assim resolvi deixar citado, pois na maioria das vezes essa descoberta não estava nos planos do paciente nem do cirurgião. A partir do diagnóstico, serão traçadas condutas oncológicas específicas (cirurgia, quimioterapia, radioterapia…)

7. Diarreia e alteração do trânsito intestinal

Uma alteração comum é o aumento da frequência das evacuações após a colecistectomia. De certa forma, não é considerada uma complicação cirúrgica, pois trata-se de uma alteração fisiológica já esperada em alguns pacientes. Portanto, o paciente deve estar ciente antes da cirurgia. 

Após a retirada da vesícula biliar, a bile não é prontamente liberada para digerir os alimentos gordurosos. A orientação correta é reduzir ao máximo o consumo desses alimentos nos primeiros meses de pós-operatório. Com o tempo, há uma adaptação hepática que minimiza esse sintoma.

8. O que é a Síndrome Pós Colecistectomia?

É o nome amplo dado ao conjunto de sintomas persistentes após a colecistectomia. Geralmente, esses pacientes persistem com dor abdominal, sintomas dispépticos, desarranjo intestinal etc.

Em primeiro lugar, é preciso descartar qualquer uma das complicações cirúrgicas listadas anteriormente. Em seguida, devem ser investigados outros diagnósticos diferenciais não associados ao sistema biliar: dispepsia, gastrite, doença do refluxo gastroesofágico, pancreatite etc. Feito o diagnóstico, segue para o tratamento específico.

Frequentemente, esses pacientes já possuíam os mesmos sintomas antes da cirurgia, sendo considerada “culpada” a vesícula biliar. Uma boa avaliação pré-operatória ajuda a minimizar esse acontecimento.


Veja que são muitas possíveis complicações. Algumas condições intrínsecas à doença (como a colecistite) e ao paciente (cirurgias prévias) podem aumentar o risco de complicações. Mas lembre-se: com o advento da videolaparoscopia, a segurança da colecistectomia aumentou muito e as taxas de complicações se tornaram baixas. Além disso, quando nas mãos de um cirurgião experiente, a probabilidade de bons resultados é ainda maior!

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João Elias

João Elias

Médico pela Universidade Federal de Goiás. Cirurgião pelo Hospital Alberto Rassi. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Hospital do Câncer Araújo Jorge. Ilustrador Médico com foco em Anatomia e Cirurgia. Fundador e mantenedor do Café Cirúrgico.

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