O consumo de álcool vem sendo considerado sinônimo de diversão, descontração e refúgio do corrido cotidiano. No entanto, frequentemente tal hábito extrapola os limites do consumo saudável proposto pela OMS, não mais do que 6 litros de etanol por ano. A partir daí passamos a considerar consumo abusivo de álcool. Dentre os vários prejuízos para a saúde, destacamos aqui aqueles que envolvem as cirurgias. Há maiores taxas de infecção, de complicações de ferida operatória, de complicações cardíacas, de sangramento e muitos outros.
Veja também o texto em que falamos sobre os prejuízos cirúrgicos provocados pelo tabagismo:
Complicações cirúrgicas associadas ao consumo abusivo de álcool
1. Reduz a Competência imunológica
O consumo diário de duas ou três doses de bebida alcoólica já é o suficiente para reduzir a capacidade imunológica do paciente. Dessa forma, o consumo abusivo do álcool traz consigo maior risco de complicações cirúrgicas infecciosas, como pneumonia, infecção urinária ou mesmo infecções da ferida operatória. Quatro semanas de abstinência parecem ser o suficientes para a recuperação da proteção imunológica, trazendo benefícios cirúrgicos já comprovados.
2. Prejudica a Cicatrização da Ferida
Como vimos, a exposição ao álcool aumenta o risco das infecções de ferida operatória. Além disso, o álcool também prejudica a fase proliferativa da cicatrização, provocando alterações na re-epitelização, na angiogênese, na produção de colágeno e no fechamento da ferida. Isso pode resultar em uma cicatrização mais frágil, prolongada e menos estética.
3. Altera a Função Cardíaca
O consumo abusivo do álcool provoca arritmia e insuficiência cardíaca subclínica. No pós-operatório tais condições podem se agravar com uma descompensação cardíaca não prevista. A abstinência pré-operatória é capaz de reduzir a incidência das arritmias pós- operatórias, aumentando a segurança no pós-operatório.
4. Prejudica a Coagulação do Sangue
É sabido que o álcool prolonga o tempo de sangramento. Isso por si só não justifica as complicações hemorrágicas no pós-operatório. Caso o paciente possua algum distúrbio de hemostasia prévio, o álcool pode ser mais um fator de risco para sangramentos durante a cirurgia e no pós-operatório.
5. Provoca Maior Estresse Endócrino
Pacientes que fazem uso abusivo de álcool apresentam maior estresse endócrino após a cirurgia. Há aumento de hormônios adrenérgicos, como a norepinefrina e o cortisol. Isso significa maior risco de disfunções orgânicas associadas ao álcool, como insuficiência hepática e a insuficiência cardíaca mencionada acima. Novamente, quatro semanas de abstinência parece proporcionar uma resposta endócrina mais coordenada.
6. Dificulta a Sedação e a Analgesia
Pacientes que fazem uso não saudável de álcool precisam de doses maiores de sedativos e analgésicos durante a cirurgia. O álcool também provoca um desbalanço metabólico que prolonga a ação de alguns medicamentos e reduz a de outros. Isso, associado ao maior estresse cirúrgico citado acima, pode justificar uma maior dificuldade em controlar a dor do paciente no pós-operatório.
Quanto tempo parar de beber antes da cirurgia?
Como visto, quatro semanas de abstinência parecem ser suficientes para minimizar os danos operatórios agravados pelo álcool.
Como falamos em relação ao tabagismo, aqui também é preciso oferecer recursos que auxiliem e estimulem o paciente a parar de beber. Dentre esses recursos encontram-se desde a abordagem pré-operatória até opções medicamentosas para minimizar os sintomas de abstinência, como os benzodiazepínicos de longa duração.
As consultas pré-operatórias são uma verdadeira janela de oportunidade para promover saúde e reduzir o índice de complicações provocadas pelo álcool no geral.
Portanto, se você for um cirurgião, toque no assunto, ofereça recursos para que o seu paciente interrompa o consumo de álcool antes da cirurgia, ou até por mais tempo após ela. Isso faz parte da busca por melhores resultados cirúrgicos. Se você for paciente, saiba que essas colocações são reais e passíveis de serem minimizadas com a interrupção do consumo de álcool. E há sim recursos para tratar os sintomas da abstinência.
Sugestão de Leitura
- Tønnesen H, Nielsen PR, Lauritzen JB, Møller AM. Smoking and alcohol intervention before surgery: evidence for best practice. British Journal of Anaesthesia. 2009;102(3):297-306.
- Guo S, DiPietro LA. Factors affecting wound healing. J Dent Res. 2010;89(3):219-229.