Erro Médico ou Complicação Cirúrgica: Qual a Diferença?

O Erro Médico é caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência. Já a Complicação Cirúrgica é fruto de vários fatores aleatórios, não só do cirurgião.

Cirurgia não é uma ciência exata. O ser humano não é como um carro defeituoso que basta trocar ou consertar uma peça para garantir 100% de reparo. Somos um organismo biológico vivo de alta complexidade sujeito a uma série de fatores que influenciam o resultado cirúrgico final. Quando o resultado é inesperado, fica a dúvida: Erro Médico ou Complicação Cirúrgica?



Mesmo que realizada por um cirurgião com habilidade técnica impecável, o resultado cirúrgico depende de fatores aleatórios que fogem das suas mãos: as comorbidades do paciente e seus hábitos de vida; a sua capacidade de cicatrização; sua circulação periférica e irrigação tecidual; seus cuidados pós-operatórios com a higiene pessoal; sua condição social e financeira; sua saúde mental… Todos e muitos outros elementos aleatórios direcionam o curso do tratamento.

Diante disso, quando a cirurgia não tem o resultado esperado, fica a dúvida: foi uma complicação cirúrgica ou um erro médico? Aquele resultado inesperado foi decorrente de uma falha técnica, da gravidade da doença ou das condições clínicas do paciente?

Complicações Cirúrgicas

O que é Erro Médico?

Erro médico é uma conduta profissional inadequada que gera um dano ou agravo ao paciente. Geralmente é caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência. Tratam-se de características intrínsecas ao cirurgião, sua formação, habilidade e atitude. Veja a mensagem abaixo, escrita pelo procurador geral da Corte de Apelação de Milão, Itália:

Não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que um médico, ordinariamente, deveria saber;
Não é imprudente quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem necessidade;
Não é negligente quem descura alguma norma técnica, mas quem descura aquela norma que todos os outros observam.

Imperícia

Neste caso o cirurgião não possui a competência ou habilidade necessárias para realizar o procedimento em questão. Trata-se de um profissional que assume responsabilidade por atos para os quais não têm o preparo mínimo exigido. Seria aquele médico sem treinamento cirúrgico que realizou uma cirurgia com consequentes danos ao paciente.

Imprudência

Dessa vez o cirurgião tem o conhecimento necessário, mas escolhe pular etapas ou ignorar passos que seriam importantes para garantir o bom resultado cirúrgico. Trata-se daquele profissional que ignora a ciência médica e não age com a cautela adequada, pulando etapas e colocando em jogo a segurança do paciente. Pode ser desde uma alta hospitalar prematura até a realização de uma cirurgia eletiva complexa sem a devida equipe cirúrgica ou os materiais mínimos necessários.

Negligência

Aqui o cirurgião tem conhecimento do que precisa ser feito, mas não pratica a ação, se omitindo da sua responsabilidade. Por exemplo, quando o paciente possui uma complicação com necessidade de reabordagem cirúrgica e o cirurgião ignora o fato, não indica o procedimento e não oferece nenhuma justificativa plausível para tal.

O que é Complicação Cirúrgica?

As complicações, imediatas ou tardias, são fruto do somatório dos fatores aleatórios supracitados, não só da habilidade do cirurgião. Os próprios fatores de risco do procedimento, a gravidade da doença, suas comorbidades prévias, sua condição social e financeira, seus cuidados pós-operatórios. Todos são condições que aumentam o risco de complicações cirúrgicas, mesmo nas melhores equipes cirúrgicas.

O paciente deve ser informado sobre todos esses riscos. Aliás, o paciente possui autonomia para discutir o seu caso e participar em conjunto com o cirurgião na tomada de decisão. É exatamente por esse motivo que faz parte do pré-operatório a aplicação do Termo de Responsabilidade, pelo qual o paciente afirma estar ciente dos riscos anestésico-cirúrgicos e aceita a realização do procedimento. A ausência do Termo de Responsabilidade é inclusive considerada negligência médica.

Relação Médico-Paciente Pura e Honesta

Não basta apenas coletar o termo de consentimento. Uma relação médico-paciente honesta, que deixa claro para o paciente exatamente todos os riscos e os benefícios do procedimento proposto, transmite confiança, responsabilidade e ética por parte do cirurgião. O paciente precisa ser ‘ensinado’ sobre sua doença e sobre o tratamento proposto. São frequentes os processos jurídicos estimulados principalmente por uma relação médico-paciente débil.

Urgências Cirúrgicas e a Disponibilidade de Recursos

Em caso de urgência cirúrgica nem sempre é possível transferir o paciente ou contar com todos os recursos materiais e/ou humanos necessários. Uma consequência negativa para o paciente advinda dessa situação se configura como complicação cirúrgica, não erro médico. A equipe cirúrgica precisou agir para dar chance de maior sobrevida ao doente.

No entanto, e se fosse uma cirurgia eletiva complexa com necessidade de cuidados intensivos no pós-operatório e de maiores recursos cirúrgicos? O ideal seria transferir o paciente para um serviço mais completo. Caso contrário, a indisponibilidade de UTI, quando há alta probabilidade de precisar, pode configurar negligência médica. Além disso, a realização da cirurgia em local desfavorável, considerando a possibilidade de referenciar o paciente, pode configurar imprudência.

A Mídia Sensacionalista e a Indústria do Erro Médico

Infelizmente há pessoas que processam cirurgiões com único objetivo de ganho pecuniário. Isso se ressalta ainda mais pela incapacidade de discernimento entre complicação cirúrgica e erro médico.

A exemplo, processos jurídicos devido a cicatrizes indesejadas ou a infecções de ferida operatória. São complicações inerentes a qualquer procedimento cirúrgico. Mas alguns ignoram todos aqueles fatores influenciadores que falamos tanto e demandam toda a “culpa” ao ato cirúrgico.

Além disso, já reparou que as manchetes publicam vários supostos erros médicos, com ênfase. Mas dificilmente noticiam retratações ou correções informando o público de que se tratava de uma complicação cirúrgica, tampouco as condutas traçadas para resolver o problema? A mídia funciona assim, publica o que vai impulsionar, não está muito preocupada em informar.


Se você for um cirurgião ou outro profissional de saúde, fique atento! Estabeleça uma boa relação médico-paciente e explique detalhe por detalhe sobre o procedimento cirúrgico e sobre todas as possíveis complicações e fatores associados. Acolha, informe e cuide. 

Se você for um paciente, procure se informar antes de tomar decisões precipitadas. Saiba diferenciar erros de complicações. Questione seu médico sobre todas as complicações cirúrgicas possíveis e as estratégias a serem tomadas caso ocorram. Não seja cego perante a mídia e mantenha um pensamento crítico sempre!


Veja mais sobre Complicações Cirúrgicas aqui.

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João Elias

João Elias

Médico pela Universidade Federal de Goiás. Cirurgião pelo Hospital Alberto Rassi. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Hospital do Câncer Araújo Jorge. Ilustrador Médico com foco em Anatomia e Cirurgia. Fundador e mantenedor do Café Cirúrgico.

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