Suponha que você seja um paciente prestes a ser submetido a uma Colecistectomia por videolaparoscopia. O que ocorre no corpo humano durante a insuflação do pneumoperitônio?
Equipe a postos! Anestesia Ok. IOT Ok. Antissepsia Ok. Campos posicionados. Cabos encapados. Pele incisada. Subcutâneo dissecado. Aponeurose identificada e reparada. Cavidade peritoneal acessada via técnica “aberta”. Tudo pronto para iniciar insuflação de CO2.
Iniciado o Pneumoperitônio para videolaparoscopia
Sua Pressão Intra-Abdominal (PIA) inicial está por volta de 5 mmHg. O cirurgião dá início à insuflação com fluxo de 1,5 L/min.
Logo nos primeiros segundos, sua irrigação esplâncnica, pressionada, derrama seu fluxo para o sistema venoso sistêmico. Isso contribui para um aumento transitório do Retorno Venoso (RV) e da Pressão no Átrio Direito.
Logo em seguida, ultrapassando a margem dos 7,5 mmHg, sua Veia Cava Inferior começa a ser pressionada. Parte do sangue venoso fica retido nos membros inferiores, o que reduz o RV e aumenta a Resistência Vascular Periférica (RVP). Apesar disso, o sangue redistribuído do sistema esplâncnico ajuda a manter em ascensão a pressão sanguínea no seu Átrio Direito.
Com isso, nos primeiros três minutos, há aumento da Pré-carga e também da Pós-carga (pelo aumento da RVP). Lembre-se PA = DC x RVP. Associado ao aumento da RVP, estudos mostram redução do DC, o que mantém sua PA estável.
Até aqui tudo está correndo bem. Ah… E parabéns! Parece que você está entre os 3/4 dos pacientes que não desenvolvem bradicardia como reflexo vagal pelo pneumoperitôneo.
Com cinco minutos, sua PIA se aproxima de 15mmHg. RVP em ascensão. Agora, seus vasos renais e rins começam a sentir o ‘aperto’. Há então redução da filtração glomerular, oligúria e release de Renina! Lembre-se Renina, Angiotensina e Aldosterona… Sua Frequência Cardíaca (FC) e sua Pressão Arterial Média (PAM) aumentam temporariamente.
Ainda nesse nível de PIA, vemos seu diafragma sendo ‘empurrado’ cranialmente, o que limita a expansibilidade pulmonar e reduz sua complacência. Nos parâmetros ventilatórios, as Pressões de Pico e de Platô estão aumentadas, coincidindo com redução discreta da SpO2.
Lembre-se de que estamos trabalhando com CO2, um gás rapidamente difundível. Esses cinco minutos já são suficientes para aumentar sua Pressão Parcial de CO2, como mostra a gasometria! Isso pode provocar vasodilatação, depressão miocárdica e até arritmias. Mas não se preocupe, o anestesista programa uma maior frequência respiratória. Você começa a ‘lavar o CO2’ e de quebra melhora a oximetria.
Tudo ia bem. Até que, aos dez minutos, por algum motivo, a PIA aumenta para mais de 20 mmHg! Sua RVP aumenta tanto que, apesar da pré-carga mantida, há redução importante do Débito Cardíaco. Felizmente, essa situação é revertida após controle da PIA.
Vesícula retirada! Desfeito o pneumoperitôneo com retirada máxima quantidade de CO2 possível da cavidade. Mesmo assim, o dióxido de carbono pode demorar para ser eliminado, o que pode provocar dores no pós operatório.
Como você é um adulto hígido, seu ‘status’ hemodinâmico logo retorna aos níveis basais (o que pode demorar até uma hora em certos cardiopatas).
Cirurgia encerrada sem intercorrências.
![Repercussões do Pneumoperitônio](https://cafecirurgico.org/wp-content/uploads/2021/08/Repercussoes-do-Pneumoperitonio.jpg)
Quais as consequências do Aumento da Pressão Intra-Abdominal?
Cardiovasculares: compressão dos vasos abdominais; aumento da RVP; aumento da FC; aumento da PAM; redução do débito cardíaco.
Pulmonares: elevação do diafragma; redução da complacência pulmonar; hipóxia; hipercarbia.
Renais: diminuição da Taxa de Filtração Glomerular; oligúria; anúria.
Quais as consequências da Hipercarbia?
Cardiovasculares: embolia gasosa; depressão miocárdica; arritmias; isquemia miocárdica.
Nervosas: vasodilatação cerebral e consequente aumento da pressão intracraniana.
Veja também: Como o pneumoperitônio da videolaparoscopia influencia o paciente?
Esse texto foi baseado no seguinte artigo:
- Atkinson, Tamara M et al. Cardiovascular and Ventilatory Consequences of Laparoscopic Surgery. Circulation vol. 135,7 (2017): 700-710.