14 Formas de se corrigir uma Hérnia Inguinal/Femoral

Shouldice, Desarda, McVay, Bassini, Lichtenstein, Plug and Patch, TIPP, TREPP, PHS/UHS, Stoppa, TEP, TAPP, SILS e Robótica. Todas contra a Hérnia Inguinal/Femoral.

Francisco, 77 anos, aposentado. Há cerca de 5 anos, queixa de desconforto e abaulamento em região inguinal bilateral, mais evidente à direita. Refere crescimento progressivo do abaulamento a tal ponto que passou a invadir a região escrotal direita. O exame físico revela Hérnia Inguinoescrotal Direita (Nyhus III B, com anel herniário de 3,5 cm) associada a Hérnia Inguinal Esquerda (Nyhus III A, com anel de 2 cm). Como comorbidades, o sr Francisco possui HAS, DM e Insuficiência Cardíaca, denotando um Risco Cirúrgico Cardiológico Alto, com necessidade de cuidados pós-operatórios em UTI. Tendo este caso para raciocínio, quais são as diferentes técnicas cirúrgicas que poderiam ser contempladas?



14 Formas de se corrigir uma Hérnia Inguinal/Femoral

De relatos e livros a revisões e metanálises complexas, há uma extensa bibliografia sobre hérnias inguinais e femorais. Não obstante, a quantidade de técnicas diferentes é igualmente grande: com e sem tela; abordagens anteriores ou posteriores; abordagens pré-peritoneais; técnicas endoscópicas e até a cirurgia robótica! Veja nesse texto uma visão geral de grande parte dessas cirurgias.

Antes de prosseguir, relembre a Classificação de NYHUS:

Técnicas Abertas (Acesso Anterior) SEM Tela

Shouldice, Desarda, McVay e Bassini. Geralmente essas técnicas são utilizadas quando a tela está contraindicada. No entanto, ultimamente esta realidade pode estar se alterando. Alguns estudos estão ‘revivendo’ técnicas mais antigas e alguns pacientes estão optando por técnicas livres de corpos estranhos no pós-operatório.

Shouldice

É a técnica sem tela que é considerada livre de tensão e está associada a menor índice de recidiva. Inicia-se com a divisão das camadas do assoalho do canal inguinal e redução do saco herniário. Em seguida, o canal inguinal é reconstruído e reforçado por meio de sobreposição de quatro camadas com pontos contínuos.

Desarda

Uma técnica sem tela que vem ganhando destaque nos congressos. Após incisão na aponeurose do músculo oblíquo externo, parte dela é deslocada da parede anterior do canal inguinal para a parede posterior. Dessa forma, cria-se um ‘patch’ natural para reforço da parede posterior. Uma espécie de “Lichtenstein com tecido autólogo”.

McVay

É a única técnica aberta sem uso de tela que pode ser usada tanto nas hérnias inguinais como nas femorais. O espaço pré-peritoneal é acessado por meio da secção da fascia transversalis para exploração e isolamento do ligamento Pectíneo (de Cooper). O Tendão Conjunto é aproximado ao Ligamento de Cooper desde o tubérculo púbico até a face medial da bainha femoral. O restante do assoalho do canal inguinal é reforçado por meio da aproximação entre o Tendão Conjunto e o Ligamento Inguinal. É uma técnica que envolve tensão e incisões relaxadoras podem vir a calhar.

Bassini

É a técnica sem tela associada ao maior índice de recorrência a longo prazo. Consiste no reforço do assoalho do canal inguinal por meio da aproximação entre o tendão conjunto e o ligamento inguinal desde o tubérculo púbico até a margem medial do anel inguinal interno.

Técnicas Abertas (Acesso Anterior) COM Tela

Lichtenstein, ‘Plug and Patch’, TIPP, TREPP, PHS/UHS e Stoppa. Essas, em especial a primeira, foram mais difundidas internacionalmente, devido a relativa “menor dependência do cirurgião”, com menores índices globais de recidiva. O uso da tela faz com que essas técnicas sejam livres de tensão.

Lichtenstein

Técnica descrita em 1986 por Irving Lichtenstein, Alex Schulman e Parviz Amid no Instituto Lichtenstein de Hérnia em Los Angeles. Essa técnica reduz a tensão da linha de sutura por meio da inserção de uma tela entre a fáscia transversal e a aponeurose oblíqua externa, reforçando o assoalho inguinal. O anel inguinal interno é reconstruído por meio de um corte lateral na tela e união das duas “caudas”.

Plug and Patch

Essa técnica foi criada inicialmente para correção de hérnias femorais, sendo depois aplicada às hérnias diretas. Consiste na inserção de uma “rolo” de tela no defeito da parede após redução do saco herniário (plug), seguido por inserção de uma tela para reforçar a parede posterior (path).

TIPP (Trans Inguinal Pre-Peritoneal)

Essa técnica foi descrita por Pélissier. Consiste na inserção de uma tela específica com memória nas bordas na região pré-peritoneal. A ideia é semelhante às técnicas endoscópicas abaixo descritas, mas com abordagem anterior, por uma “mini” inguinotomia. São então evitadas grandes incisões, o que reduz a incidência de dor crônica no pós-operatório. Devido à memória da tela, não são necessários pontos de fixação.

TREPP (Trans-Rectus Sheath Preperitoneal)

Com essa técnica, é feita uma incisão 1 cm acima do tubérculo púbico. A fáscia transversalis e a aponeurose do reto abdominal são incisadas e este músculo é rebatido medialmente. O funículo espermático e a fragilidade da parede são identificados, sendo inserida uma tela auto-expansível específica que cobre todo o miopectíneo de Fruchaud.

PHS/UHS (Prolene Hernia System / Ultrapro Hernia System)

Nesta técnica descrita por Gilbert, é usado um dispositivo com dupla camada de tela. Dentre os disponíveis, vale citar o Sistema de Prolene (PHS) e o sistema de segunda geração, com parte absorvível (UltraPro). O componente posterior (circular) de tela é posicionado no espaço pré-peritoneal e o anterior é posicionado na fáscia transversalis, onde é fixado com pontos simples.

Stoppa

Técnica muito utilizada para resolução de hérnias bilaterais. A cavidade peritoneal é acessada por meio de uma incisão infra-umbilical mediana e as aderências intra-cavitárias são desfeitas. Os espaços pré-peritoneal e retroperitoneal são então dissecados para identificação do ligamento de Cooper bilateralmente, dos sacos herniários e dos cordões espermáticos. É então inserida uma grande tela nos espaços retroperitoneal e pré-peritoneal.

Técnicas Endoscópicas (Acesso Posterior)

TEP e TAPP, bem como suas implementações via SILS ou Robótica também são reparos livres de tensão com uso de tela. Por meio delas, o espaço pré-peritoneal é acessado para correção de hérnias inguinais e/ou femorais.

TEP (Totally Extra-Peritoneal)

Nessa técnica, com ou sem a ajuda de um balão de dissecção, o espaço pré-peritoneal é acessado, dissecado e expandido por meio de insuflação de CO2. Assim, é criado uma espécie de “pneumo-pré-peritônio”, por onde entram a ótica e as pinças para inserção da tela. Veja que em nenhum momento o peritônio é violado, ou seja, Totalmente Extra-Peritoneal!

SILS TEP (Single Incision Laparoscopic Repair)

SILS é a sigla para Single Incision Laparoscopic Surgery, o que caracteriza uma forma de cirurgia videolaparoscópica. O princípio quanto ao espaço pré-peritoneal acessado e o posicionamento da tela é o mesmo que foi citado acima na técnica TEP, com o diferencial que aqui tudo é feito com um único portal. A SILS não é exclusiva para hernioplastia, sendo também descrita em colecistectomias.

TAPP (Trans Abdominal Pre-Peritoneal Repair)

Contrapondo a técnica anterior, aqui a cavidade peritoneal é acessada, sendo feita a insuflação de pneumoperitônio padrão para videolaparoscopia. Pela Dissecção Posterior da parede abdominal anterior, é feita uma incisão no peritônio parietal. Este é rebatido, expondo o trígono de Hasselbach e o saco herniário, que é então individualizado e reduzido. Uma tela de reforço é fixada na parede (tomando-se cautela com os trígonos da dor e do perigo) e o peritônio é colocado na sua posição original, recobrindo o material da tela.

Robotic TAPP (Robotic repair)

A hernioplastia inguinal robótica é baseada na técnica TAPP descrita acima, ou seja, aqui o peritônio também é acessado. O diferencial está no dispositivo mecatrônico utilizado, que permite maior amplitude de movimentos, melhor posicionamento da tela e menor curva de aprendizado.


O sr Francisco foi submetido a Hernioplastia Inguinal Bilateral à Lichtenstein. O procedimento e o pós-operatório ocorreram sem complicações, recebendo alta hospitalar no 3° DPO.


Não pare por aqui! Esse texto teve como base as seguintes referências:



João Elias

João Elias

Médico pela Universidade Federal de Goiás. Cirurgião pelo Hospital Alberto Rassi. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Hospital do Câncer Araújo Jorge. Ilustrador Médico com foco em Anatomia e Cirurgia. Fundador e mantenedor do Café Cirúrgico.

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