Em algumas ocasiões, uma dor abdominal pode representar uma Apendicite…
Marta vivenciou o parto normal de sua filha há três dias. Segundo ela, passou por manobras traumáticas para retirada da criança, ao que interpretamos como uma possível e violenta Kristeller. Desde então persiste com dor abdominal difusa em piora progressiva. Refere também febre, náuseas, vômitos e conseguimos perceber o início de uma confusão mental. Na admissão do nosso PS, apresentava FC 145 bpm e PA 92 x 55 mmHg, mesmo após a reanimação volêmica. Sistema Respiratório já prejudicado: SpO2 88%, FR 29. Abdome tenso, doloroso difusamente durante a palpação e com sinais de peritonite em todos os quadrantes.
Laboratório: Hb 14,2; Ht 43,7; Leucócitos em 18.480 com 4% de bastões; Proteína C Reativa de 388; Ureia de 176; Creatinina de 2,7; RNI de 1,26; Bilirrubinas totais de 1,02; Gasometria Arterial com pH de 7,33, pO2 de 115, pCO2 de 24 e HCO3- de 12.
A Tomografia de Abdome demonstrou importante distensão líquido-gasosa das alças intestinais, moderada quantidade de líquido ascítico e focos esparsos de pneumoperitônio.
Hipóteses diagnósticas
Para o raciocínio, vamos tentar estabelecer os diagnósticos de acordo com o que preconizou o estimável Dr. Celmo Celeno Porto no seu Texto sobre Semiologia Médica.
Diagnóstico Sindrômico: Após a união dos sintomas, podemos separar as grandes síndromes clínicas que atormentavam a nossa paciente:
- Síndrome Álgica;
- Síndrome Febril;
- Síndrome distributiva;
- Sepse.
Diagnóstico Funcional: As síndromes acima estavam contribuindo para perda de funções orgânicas importantes: injúria renal, distúrbios de coagulação, distúrbios ácido-básicos (acidose metabólica) e disfunção neurológica. Estando diante de um quadro clínico grave, podemos considerar o seguinte:
- Hipoperfusão tecidual;
- Disfunção Orgânica de Múltiplos Órgãos.
Diagnóstico Anatômico: Sabemos que tem pneumoperitônio, com sinais clínicos de peritonite. Seja qual for a causa-base, houve violação do Trato Gastrointestinal. A anatomia afetada ficaria assim:
- Trato Gastrointestinal;
- Peritônio.
Diagnóstico Clínico: ainda não fechamos o diagnóstico clínico definitivo. Veja que ainda assim conseguimos subsídio suficiente para traçar condutas. Por hora, estamos diante de um:
- Choque Séptico de Foco Abdominal.
Diagnóstico Etiológico: como ainda não fechamos o diagnóstico anterior, não podemos concluir a etiologia com precisão. Por este motivo, listamos hipóteses!
- Trauma Abdominal Fechado devido a manobra obstétrica?
- Abdome Agudo Perfurativo?
- Abdome Agudo Isquêmico que levou à perfuração?
- Abdome Agudo Inflamatório?
A paciente piorava clinicamente a cada minuto. Já estávamos cientes de que estávamos conduzindo um caso cirúrgico.
No Centro Cirúrgico… Era Apendicite!
A paciente adentrou o centro cirúrgico com piora dos sinais vitais. Foi então realizada anestesia geral. Após degermação, antissepsia e instalação dos campos estéreis, foi realizada a incisão mediana, supra e infraumbilical e conduzida dissecção por planos até adentrar à cavidade peritoneal.
Foi observada grande quantidade de secreção purulenta, de odor fétido, em volta das alças intestinais dilatadas, coletadas nos principais recessos peritoneais. Na pelve, observamos um útero puerperal rígido e aderências frouxas de omento na tentativa infrutífera de conter um Apêndice Cecal retro-uterino Perfurado no seu terço distal. Não havia lesões em alças intestinais. Estávamos diante de uma Apendicite Aguda Complicada com Peritonite Difusa.
Realizamos a Apendicectomia e a limpeza criteriosa da cavidade peritoneal com Soro Fisiológico Aquecido e muitas compressas.
Após o procedimento, a paciente foi encaminhada à UTI ainda com necessidade de drogas vasoativas.
E agora, como ficam os diagnósticos?
Agora que vimos a patologia no intra-operatório, podemos finalizar nossos diagnósticos:
- Sindrômico: Sepse
- Funcional: Hipoperfusão tecidual, disfunção de múltiplos órgãos
- Anatômico: Apêndice Cecal, Peritônio
- Clínico: Apendicite Aguda Complicada com Peritonite
- Etiológico: Apendicolito
O que aprendemos com esse caso de Apendicite?
Considerando as condições extrínsecas e intrínsecas ao paciente, percebemos que a evolução patológica típica nem sempre está presente. O modelo de raciocínio clínico utilizado acima, apesar de não definir o diagnóstico logo no início, nos ajudou a traçar a conduta correta para esta paciente.
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